Texto de Helena Levorato.
A revolução digital mudou definitivamente o modo como pensamos, interagimos, processamos e armazenamos informações. Todas essas tecnologias transformaram o nosso mundo e afetaram o modo como elaboramos, direcionamos e enxergamos a nossa vida.
Quando pensamos nos diversos aspectos das nossas vidas que mudaram drasticamente durante a pandemia, podemos destacar uma dependência ainda maior da vida online, o que facilitou muitos processos de trabalho, aumentou os nossos recursos e otimizou muito do nosso tempo. Além de tudo isto, vimos uma necessidade extraordinária de união virtual. Porém, quando analisamos os diversos estudos sobre os efeitos das tecnologias digitais em nosso cérebro e em nosso comportamento, encontramos muitas evidências de diversos efeitos negativos, em especial na primeira infância e na adolescência.
Com a ajuda de exames de imagens podemos encontrar algumas alterações morfológicas no cérebro, afetando principalmente funções cerebrais cruciais como, processos cognitivos e de linguagem, além de alterações de percepção visual, memória e foco atencional, abrindo um vasto campo de estudos para a investigação da relação entre a intensa exposição à essas tecnologias digitais e o aumento do Déficit de Atenção (TDAH), consequência muitas vezes da interação com múltiplas fontes de informações e estímulos online ao mesmo tempo, diminuindo assim, a capacidade de atenção focada em uma única tarefa.
Alguns estudos sugerem também um aumento de casos de hiperatividade e ansiedade generalizada nos últimos anos, problemas provavelmente causados pelas novas perspectivas de interações sociais, como a crescente necessidade de atenção e aprovação em forma de likes e comentários. A comparação com os padrões de vida e beleza nas mídias sociais prejudica a inteligência emocional e a saúde mental de jovens e adultos.
O fato é que nós, seres humanos, evoluímos para criarmos uma estrutura social forte, para estreitarmos vínculos e construirmos relações de confiança e segurança, necessidades básicas da engenharia social que se refletem em nosso comportamento digital. Acontece que, os golpistas e cibercriminosos estudam profundamente estes aspectos essenciais das relações humanas e compreendem bem como causar um impacto ou impulso que possa levar as pessoas ao comportamento inseguro no ambiente virtual, utilizando de fingimento, manipulação e imitação para enganar as pessoas, que muitas vezes clicam ou compartilham links para supostamente “ajudar” um parente ou amigo em uma situação de risco ou dificuldade.
Estes criminosos muitas vezes utilizam certos padrões comportamentais, tais como o medo de falhar, medo da desaprovação e necessidade de reconhecimento para criar uma ação rápida e impulsiva, atrasando ou simplesmente dificultando a análise crítica da situação, visto que apelar para emoções fundamentais nos torna vulneráveis.
Ainda assim, devemos nos lembrar que não é a tecnologia digital em si que afeta a nossa saúde mental e o nosso bem-estar negativamente, mas o modo e o tempo que gastamos utilizando e experienciando todos esses recursos. A boa notícia é que conseguimos moldar essas experiências e nos adaptar, graças a incrível capacidade do nosso cérebro de se expandir e aprender novos padrões e comportamentos, através da neuroplasticidade cerebral, formando novas conexões, treinando e controlando nossa atração natural às facilidades, agilidade e estímulos recompensadores e viciantes para o cérebro que essas tecnologias nos proporcionam.
De fato, vivemos num contexto atual de transformação digital, que, repleto de benefícios e malefícios, é uma parte essencial do avanço das sociedades, porém é importante fomentarmos discussões e reflexões para um uso ativo, porém consciente e moderado dessas tecnologias. Vivemos numa era de grande evolução das tecnologias e inteligência artificial, porém não podemos nos esquecer de que não evoluímos na mesma velocidade, biologicamente falando, para passamos tanto tempo na frente das telas, e sim para interagirmos cara a cara, vivermos experiências sensoriais importantes, utilizando todos os nossos sentidos na interação e construção das visões de mundo.
Talvez esse seja justamente o ponto de virada, o entendimento de que precisamos retornar de tempos em tempos para a nossa verdadeira essência, estabelecendo limites, treinando a nossa atenção e percepção dos fatos, tornando o nosso comportamento digital mais seguro através da observação e da diminuição do ritmo frenético da vida online, prezando pelo equilíbrio em nossos hábitos, buscando uma vida mais saudável, criativa e produtiva. * Helena Levorato é especialista em neurociência e desenvolvimento de pessoas, além de cofundadora da Sociedade Brasileira de Inovação.
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