*Por Helena Levorato
Estudos da ciência humana apontam para a possibilidade da formação de ideias mais rígidas e ações políticas mais extremas estarem enraizadas em nossas estruturas cognitivas, emocionais ou afetivas. Evidências demonstram que esta arquitetura cognitiva e afetiva poderia moldar ou influenciar a nossa vontade de apoiar ou praticar a violência ideológica em vários setores das relações humanas – nas decisões profissionais, na política, entre amigos, vizinhos etc.
Do ponto de vista cognitivo, características como rigidez cognitiva ou pensamento inflexível, percepção e capacidade de visão sistêmica prejudicada e até de funções executivas mais lentas – por exemplo, processos de aprendizagem e memória, raciocínio, flexibilidade e resolução de problemas – estão ligadas a uma maior possibilidade do desenvolvimento do pensamento extremista.
Do ponto de vista emocional, características associadas à reatividade emocional e regulação emocional prejudicada, como a busca mais intensa às sensações e tendências à impulsividade, podem facilitar a prontidão para ações políticas extremas.
Mas como, afinal, se formam as nossas convicções e por que nos apegamos tanto a elas?
As nossas convicções são fruto do nosso Mindset, que quer dizer: Mentalidade, Atitude Mental, Modelos Mentais. São o meio pelo qual organizamos e damos sentido às nossas experiências. Neste caso, nosso comportamento é condicionado por modelos mentais que, por sua vez, são fortalecidos e criados pela repetição de estímulos, informações e experiências, validados por nós como positivos ou não. Apesar de termos a nossa principal estrutura de Mindset já formada, criamos conexões e convicções à medida em que nossos interesses e foco de atenção mudam.
O ato de concentrar a atenção em algo requer a ação de realizar “o afastamento de algumas coisas para ocupar-se efetivamente de outras”. Isto envolve, a princípio, a seleção de estímulos e de informações, afastando-nos de fontes de distrações externas e concentrando a atenção ou mantendo o nosso foco em algo especial, algo que realmente nos interessa ou que desejamos. Este é um processo cognitivo natural que foi acelerado ou potencializado pelas redes sociais, que através de algoritmos, facilitam e agilizam este processo, selecionando e nos fornecendo cada vez mais informações relacionadas aos nossos interesses. Por isto, quando nos identificamos ou simpatizamos com uma ideia, ela pode se fortalecer e se tornar uma crença inabalável, através da repetição de estímulos e sensações que fazem com que essas crenças fiquem cada vez mais arraigadas em nós.
Tal função, hoje presente em todas as redes sociais, de certa maneira imita o Sistema de Ativação Reticular do nosso cérebro. Ele atua como uma espécie de filtro que nos permite perceber as informações e os estímulos que estão no nosso foco de atenção e que são importantes para a nossa intenção.
Este fenômeno também pode ser reconhecido como “atenção seletiva”. Deixe-me explicar! A sua principal função é a de dedicar atenção naquilo que você está focado. Por exemplo: suponhamos que você esteja pensando em comprar um carro e esteja de olho no modelo X. Uma semana depois, você anda na rua e toda a sua atenção se volta aos carros do modelo X. De repente, você sente como se este carro estivesse em toda parte. Ou seja, o que você traz para o seu foco começa a ser transformado, como num passe de mágica, numa realidade constante em seu caminho. De fato, a nossa mente é incrível! Mas, infelizmente, ela funciona desta maneira com o que é negativo também e explica muitas das reações obsessivas ou doentias a uma ideologia diferente da nossa, ou da repugnância àquilo que contraria tudo que construímos como sendo a única verdade.
Se você acha que os outros são incapazes, fracassados ou inimigos, acredite: a sua mente vai procurar todas as evidências para provar que a sua crença é verdadeira. É por isso que fica cada vez mais difícil nos distanciarmos das nossas ideias fixas e radicais sobre o ponto de vista dos outros.
Por outro lado, as redes sociais, por meio dos algoritmos e da conexão instantânea das ideias semelhantes, nos afastam ainda mais da “verdade” dos outros e fortalece cada vez mais as nossas convicções. A repetição destas informações que confirmam interesses fortalece crenças, valores e as nossas referências de vida. São informações sobre o que é bom ou ruim, certo ou errado, hábitos a serem adotados e assim por diante. Estas informações serão, em grande parte, responsáveis pela experiência mental vivida diante de decisões, situações e eventos, ou ainda, pela interpretação destas experiências que, quando reforçadas e consolidadas, podem prejudicar a nossa capacidade de flexibilidade cognitiva.
Padrões mentais fixos tornam as pessoas mais avessas às diferenças. Quando o nosso Mindset é fixo, tendemos a nos apegar ao “nosso jeito” de fazer e de pensar sobre as coisas e acabamos nos tornando mais rígidos e limitados na resolução de conflitos e na tomada de decisão. Mindsets fixos contribuem para o aumento significativo do estresse e interferem diretamente na performance e na qualidade de vida. Com estes padrões criamos a nossa realidade e percepção de mundo. Mas lembre-se, não há uma realidade fixa, nós a moldamos de acordo com tudo que vemos, ouvimos, vivemos e sentimos dia a dia.
Para aumentarmos o nosso nível de consciência e desenvolvermos maior flexibilidade cognitiva, a fim de nos distanciarmos deste ciclo automático de atenção seletiva, precisamos nos questionar mais, ampliar o nosso repertório, observando melhor todos os pontos de vista e, principalmente, investir no autoconhecimento. * Helena Levorato é especialista em neurociência e desenvolvimento de pessoas, além de cofundadora da Sociedade Brasileira de Inovação.